30/09/2019

Produção curricular junto à rede municipal de educação de Niterói (RJ)



Coordenadores locais: Guilherme Augusto Rezende Lemos; Cristiane Gonçalves de Souza

Guilherme Augusto Rezende Lemos
PROPED/UERJ

O trabalho colaborativo, com a escola, que propomos como elemento constitutivo das políticas públicas em educação, tem inspirações várias que sequer podem ser elencadas. Não há dúvidas da herança de Paulo Freire, ou dos estudos do cotidiano, assim como das abordagens autobiográficas da reconceptualização americana do campo do currículo na ação colaborativa tal como a pensamos inicialmente.

Em todas essas tradições, a experiência do humano, em sua complexidade, é trazida de volta para a empreitada educacional, de onde há cerca de um século vem-se tentando expulsá-la. Em todas elas, a certeza de que a esfera do particular é instransponível, ainda que somente possa (ou porque só pode) se estabelecer na relação com a alteridade.

Na sacada de Paulo Freire, ao invés de oferecer aos alunos uma “cultura letrada”, dar letramento àquela cultura que ali já está. Trata-se da percepção de que as circunstâncias que envolvem cada indivíduo ou grupos de indivíduos, em dado momento de sua existência, incidem sobre suas condições de possibilidade de aprender.

O projeto junto aos professores e às escolas das redes¹ foi antecedido por algumas experiências realizadas em turmas de didática e currículo dos cursos de formação inicial de professores da UERJ. Em tais cursos, partimos da necessidade de relacionar possibilidades teóricas com dados concretos, o que nos parece ser a demanda mesma de um campo como o das políticas públicas.

Em um primeiro momento, os alunos são levados a estudar uma comunidade do Rio de Janeiro, considerando aspectos econômicos e culturais, dados demográficos, mapas religiosos e geografias locais. Busca-se, com isso, construir um quadro tão complexo e profundo quanto possível, evitando generalizações e tematizando os preconceitos.

O segundo momento é dedicado a uma viagem panorâmica sobre teorias, clássicas e contemporâneas, dos campos da didática, do currículo e da teoria social. A ideia é que, a partir do contato com uma literatura acessível e de qualidade, criem-se diferentes propostas de ensino-aprendizagem, vislumbrem-se didáticas possíveis, surjam temas diversos a serem tratados.

No próprio movimento de “aprender com a teoria”, fica explícito que a ação didática de cada professor está atrelada ao seu “modo de ser” e, portanto, o quanto proposições públicas regulatórias oficias se desconectam do chão da escola.

Por fim, os cursos terminam com as turmas sendo levadas a pensar o planejamento da escola fictícia: a organização do espaço escolar e das turmas; a escolha das didáticas a serem utilizadas; a adequação dessas e do currículo instituído pelos documentos regulatórios à clientela local; entre outros aspetos.

Não menos importante, os alunos são levados a pensar a conciliação das pessoalidades ali em jogo, as diferenças/divergências próprias dos ajuntamentos humanos a produzir différance, outro “santuário” do imprevisto a desconstruir futuros.

É este foco na différance que buscamos destacar nas atividades de pesquisa colaborativa que vimos realizando junto a professores das redes. O planejamento em situação real, mais do que uma tarefa técnica de implementação da BNCC, se pretende um processo que mobiliza toda uma rede intersubjetiva.

Colocar em xeque as ideias preconcebidas e estigmatizadas sobre a comunidade, antepondo-as às condições existenciais daquelas populações, cria uma imensa multiplicidade de possibilidades de ação pedagógica. O mesmo se aplica a cada um dos alunos, a cada turma, singularidades que as categorizações por vezes não nos permitem perceber.

Nesse sentido, o planejamento para o presente é um momento de abertura para a produção de sentidos, tanto simbólicos como existenciais; talvez seja ali o momento em que o currículo emerja, dando sentidos múltiplos àquilo que chamamos mundo, tanto o do professor quanto o dos alunos. O planejamento do currículo, impregnado de pessoalidade, não é a mera ação pedagógica do professor, mas uma rede imbricada e complexa de ações e de vidas.

Nesse sentido demos início ao Curso de Extensão em Produção Curricular, para professores do Município de Niterói, oferecendo rodas de conversas sobre temas caros ao campo da produção curricular, com especialistas da UERJ e UFRJ, conforme quadro abaixo.

TURMA 01 - Educação Infantil (Manhã) TURMA 02 - Ensino Fundamental (Tarde)
15/05 Diagnóstico Guilherme Lemos 29/05 Diagnóstico Guilherme Lemos
12/06 Políticas de avaliação Renata Oliveira 19/06 Políticas de avaliação Talita Vidal
03/07 Políticas de currículo Rosanne Dias 10/07 Políticas de currículo Rita Frangella
14/08 Teorias de currículo Alice Lopes 28/08 Teorias de currículo Marize Peixoto
11/09 Cultura e diferença Thiago Ranniery 25/09 Cultura e diferença Elizabeth Macedo
09/10 Integração curricular Verônica Borges 16/10 Integração curricular Lourdes Tura
13/11 Proposta curricular Guilherme Lemos 27/11 Proposta curricular Guilherme Lemos
04/12 Proposta curricular Guilherme Lemos 11/12 Proposta curricular Guilherme Lemos

Nossa experiência tem sido bastante frutífera e é perceptível o “sentimento” de busca por autonomia que vai surgindo. Não é fácil livrar-se da presença fantasmática desse “outro” que nos “obriga a”, das regras supostamente impostas e cristalizadas no imaginário docente. Criar é um ato poderoso, incontrolável e imprevisível.

Também não é simples abandonar o desejo de prescrição: imputar ao outro aquilo que não lhe é próprio. Que fique claro que não nos importa o resultado, mas o caminhar, essa busca constante e pensante pelo ato criativo, pela experiência estética e de mão dupla que é a relação ensino-aprendizagem a que todos estão submetidos no ambiente escolar, dentro e fora da sala de aula.

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¹ É importante destacar que, em alguns municípios, temos trabalhado em uma escola específica, sem um horário muito definido, organizando nossas atividades conforme as necessidades e possibilidades de todos nós participantes. Em outros, essa ação está se dando em uma espécie de “momento” de formação, em “cursos” organizados com docentes de diferentes unidades escolares. Essa variedade de formatos foi forçada pela redução de recursos imposta pela agência de fomento, mas tem permitido perceber formas distintas de operar na formulação de políticas públicas localizadas em currículo.

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